Arte, Fotografia e Ciência
Arte, Fotografia e Ciência

Arte, Fotografia e Ciência

(...) Durante a Renascença, para além da perspectiva, houve várias teorias e ferramentas que serviram diferentes áreas de conhecimento e impulsos criativos.

A camera obscura, por exemplo — um aparelho óptico, directamente relacionado com a pintura e a perspectiva, cujos princípios de funcionamento já eram conhecidos desde a Grécia Clássica — ganhou popularidade entre os artistas após diversos aperfeiçoamentos em termos ópticos e de maior portabilidade.

Diz-se que a camera era muito estimada pelos pintores do século XVII.

Decorre ainda uma discussão sobre esta tese, mas alguns investigadores pensam que Johannes Vermeer (1632-1675) e Cannaletto (1697-1768), por exemplo, utilizaram a camera obscura como um auxiliar de desenho, com o objectivo de aumentar o realismo e aperfeiçoar os detalhes das suas obras-primas.

Dois séculos mais tarde a camera obscura transformou-se na câmara fotográfica e começou então mais uma era prolífera de diálogos entre a arte e a ciência. Mas ainda no século XVII, outras ferramentas, tais como a camera lucida e os vidros côncavos, foram também utilizadas com o propósito de ampliar a visão dos artistas e a sua habilidade para reproduzir o mundo de uma forma meticulosa.

 

Karl Blossfeldt

 

A ilustração científica, uma prática que por vezes estava directamente relacionada com estas ferramentas ópticas, cresceu na fronteira onde arte e ciência se confundem (pelo menos antes da fotografia aparecer e substituir a demanda de mãos talentosas).

A ilustração científica existe, sem dúvida, para servir a ciência, mas pode também ser retirada desse contexto e sobreviver graças às suas qualidades estéticas.

Nesse sentido, a agitação em torno do objecto-contexto-arte que se viveu no início do século passado tem as suas raízes bem fundadas na História da Ciência.

O herbarium de Karl Blossfeldt (1865-1932) pode ser visto como um herdeiro moderno da ilustração científica clássica.

A série, publicado em 1928 no livro Urformen der Kunst, mostra detalhes de flores e plantas que Blossfeldt fotografou durante a sua carreira como professor de desenho, com o objectivo de mostrar aos estudantes as semelhanças entre as estruturas naturais e os ornamentos arquitectónicos.

A abordagem sóbria do tema, e o enquadramento repetitivo e convencional do motivo, fotografado contra um fundo neutro, lembra-nos os trabalhos dos ilustradores botânicos dos séculos XVIII e XIX, tais como Elizabeth Blackwell (1707-1758), Alois Auer (1813-1869), ou os irmãos Franz (1758-1840) e Ferdinand Bauer (1760-1826).

Étienne Carjat, Charles Baudelaire Dada a sua natureza, a fotografia surgiu como um meio privilegiado de comunicação entre artes e a ciências.

A sua própria génese já havia congregado uma mistura de impulsos criativos e sede de conhecimento com diversas origens.

A fotografia é uma mistura das duas áreas, na qual a prática da arte implica o entendimento da ciência.

Percorrendo a História, encontramos vários exemplos de um carácter oscilante, entre as suas origens científicas e os novos caminhos criativos que a fotografia desbravou.

Nos primórdios da escrita com luz, houve muitos e acesos debates em redor da nova arte, principalmente devido à natureza mecânica e ao potencial técnico.

Alguns bradaram contra o carácter tecnológico da fotografia — Baudelaire (1821-1867) por exemplo, quando disse que a fotografia deveria regressar ao seu propósito inicial, que era servir as artes e as ciências.

Outros inquietaram-se com os caminhos trilhados por uma arte que começava a revelar aptidões técnicas inesperadas.

Uma das fotografias mais famosas de Henry Peach Robinson (1830-1901), Fading Away (1858), gerou uma enorme controvérsia nos círculos fotográficos da época.

A imagem mostra uma cena dramática (mas falsa), na qual uma rapariga moribunda aparece rodeada pela sua família veladora.

As limitações técnicas da época tornavam difícil, ou mesmo impossível, obter tal composição e iluminação usando meios “naturais”, e talvez por isso Robinson tenha recorrido a cinco negativos fotografados separadamente, os quais, justapostos, deram origem à polémica composição (uma limitação numa área pedia engenho noutra).

A fotografia, nascida para retratar a realidade, começava a fabricá-la. (...) Henry Peach Robinson, Fading Away nesta altura, devemos referir o fotógrafo Eugéne Atget (1857-1927) e as suas imagens das ruas de Paris — ou “documentos para artistas”, como Atget as designava para mostrar que eram apenas esboços para pintores. Mais tarde, o seu trabalho atraiu a atenção de Berenice Abbot (1898-1991), que o promoveu obstinadamente após a sua morte.

Agora, nas paredes de museus reputados, as fotografias de Atget já não são “documentos para artistas”, mas sim um corpo de trabalho central na História da Fotografia.

Carlos M. Fernandes, in ROBOT ARTe, catálogo da exposição de Leonel Moura com o mesmo nome Carlos Miguel Fernandes

 

 

Publicado por CMF às junho 18, 2009 03:12 PM

Trackback Pings TrackBack

URL para esta entrada:

https://no-mundo.weblog.com.pt/privado/mt-tb.cgi/182343

Fonte:

https://no-mundo.weblog.com.pt/arquivo/437331.html

 em 13 de março de 2012




Total de visitas: 3641